Foi assim

Sem mais nem menos. Vinha atarefadíssimo, apenas rápido que vou ficando barrigudo, naquela genica de quem tem alguma coisa de muito, mas mesmo muito importante para fazer. Vinha afogueado, nem a chuva me interessava, nem o passeio esburacado e até perigoso para a circulação civil. Não me debrucei sequer a olhar a serra. Era de noite, não dava para ver, e com a chuva era ainda mais difícil, (no entanto, acho que havia lua). E continuava eu, palpitante, na situação. Já a pesar os contras, e os prós que apesar de muito distantes, também ali estavam. Consegui passar um buraco e depois outro, salto aqui outro ali, planando sobre as pocinhas e molhando o cabelo, qual gel nocturno. Aproximo-me do objectivo, imóveis os dois (mais eu que ele, porque de vez em quando ele ainda se vai mexendo). Lá estava parado, cinzento, brilhante, pequenas gotículas a percorrer a sua forma vincada. Cheguei mais perto, e aqui já se sabe, coração ainda mais palpitante, nervoso já muito pouco miudinho, gastando os últimos momentos de incerteza, e…Não havia nada. Nada de multa!
Vim eu a correr do café, desesperado e até um pouco rosado, numa correria que até podia ter sido perigosa e nada? Apenas uma folha, de linhas, dobrada em quatro. Ainda pensei, eleições? Não, era apenas um papel, singelo, nada de oficial, que nele estava escrito, em letras maiúsculas,”SERA QUE PASSA AMBULÂNCIA”. Assim, só isso. Nem medo, nem dívida, nem revolta, nem acento no “a”, nem pontuação. Só um aviso público, interrogação cívica. Nada de “bofetada” sazonal que por aqui todos vamos tendo direito. Nada.
Parece que, e segundo fontes não oficiais, o polícia, não usava bigode e os furos do cinturão era ainda os de origem. Costumo e até gosto de ser rezingão e até de apontar o que está mal. Mas neste caso, dou a mão, toda e estendida, à palmatória dócil e eficaz que me deram. Mudaram-me. Sou um homem novo. Até já penso em espírito de comunidade e coisas do género. Festas populares e sardinhadas, caldo verde e jeropiga. Coisas, assim, nossas.
Obrigado senhores, por me deixarem viver com a culpa de ter sido um mau menino. Porque nestas coisas, e como dizia Nietzsche :“Damo-nos melhor com uma má-consciência do que com uma má reputação". Se bem que, este "erudito"
era alemão, e por isso estrangeiro. Portanto, não há mal nenhum em desconfiar...