Sunday, August 12, 2007



Fardos (de palha)


Imagino fardos de palha dispostos, em postos. Imagino-os parados, amarelados, sorridentes e uma brisa a meneá-los. Imagino-os bem pintados, de boca aberta e bem colocados. Imagino-os com coleiras e viseiras, a prendê-los e obrigá-los. Imagino-os sem saber, que estão presos e vejo outros que ainda sabendo não se importam. Imagino-os secos, mas bem maquilhados, protegidos mas visíveis. Tão transparentes que até dá dó. E vazios. Cliché: Quentes por fora e vazios por dentro. Fardos de palha em várias formas que rebolam de vários modos. Fardos ensacados. Verdes de inveja e vermelhos de arrebatados. Sentados. Locomovem-se para eu os ver mesmo assim, absortos e rasos. Por mim nem por eles mudariam. Pergunto-lhes: O que achas da tua palha? Não te cansas do mesmo manjar, hoje, ontem e de agora em diante? Não, respondem-me eles. Eu sempre sonhei ser assim, um homem do estilo estante, que adora ruir e ruir, deixar e acostumar, mostrar e deixar. Assumir! E é isso que levarei até ao fim. Assumi-me como parte dos fardos, todos iguais. Eu sempre os vi todos iguais… Não quero agora deixar isto, é tudo que tenho, esta harmonia de repetições que já disse que eram iguais. Não são precisas petições para que a deixe. Não são precisas, e fujo delas se algum dia vier aí parar a mudança. Estou bem neste grafismo. É bonito não é? É nosso e custou a conquistar. Mantém-nos de pé e só tem uma regra… não admite banzé!

Miguel Pimentel

4 comments:

Pedrovski said...

Que bela carga de chumbo metafórica! Acho que até pode doer aos que comem palha todos os dias e nem reparou, por acaso ou não, que era sempre a mesma coisa: palha! Perfeito enquadramento, óptimo grafismo mas e os burros? Bom, diz que o escritor espera jogar a inteligência do leitor.

rei dolce said...

certeiro e real.

Anonymous said...

Sempre a revolta do olheiro social. Mais poeta que social mais observador que socialmente poeta.
Comendo da mesma palha que todos os outros mas, mais ainda, achando que a nossa é a melhor, dissertando até sobre a qualidade do nosso confortável estaleiro e a fealdade irreversivel da albarda pouco conhecida,vá lá, desconhecida, debitando mil urros num minuto, ensinando como se apanha a melhor palha para comer e para dormir, como lavrar bem, como conseguir uma boa cenoura do nosso amavel dono, onde ver as melhores maquilhages e comprar o que alguém decide ser o melhor para nos oferecer.E entreter. Com boas águas daquelas que enebriam e nos continuam permitir sonhar que não podiamos ser diferentes, só assim. De tal forma que assim construimos a nossa fortaleza e vamos juntando dentro dela aqueles que cremos terem raizes e terem asas...

Enfim, se o poeta observa, o olheiro relativisa. Mas ciente de que se há substituições a fazer, que seja em estaleiro alheio.

Anonymous said...

Fardos de palha com uma foto de uma mão destinada a mudar o traçar do mundo?! ehhhhhheheh

Em relação ao texto, saliento dois aspectos que me agradaram :
- o visualismo propulsionado pela metáfora " fardos de palha " com todas as suas significações adjacentes( inércia, apatia, dormência e a alienação suprema);
- honestidade na escrita, nos pensamentos e nas ideias( pois vives não como um fardo de palha mas como aquele que tenta encontrar a agulha no palheiro);

É tudo.

AnaPriti